1. Processo eletrônico, sistema eletrônico de processamento de ação judicial (SEPAJ) e ciberprocesso

Repita-se que “justiça atrasada é justiça negada”[1] e que o inciso LXXVIII[2] da Constituição da República Federativa do Brasil  manda garantir a todos um processo de duração razoável, com os meios que permitam sua rápida tramitação.

Sabiamente, o constituinte derivado distinguiu o  processo e os meios de produzi-lo ( tramitá-lo?).  Aos operadores do Direito, especialmente aos juízes,  cabe exigir que os sistemas processuais atendam ao menos a quatro princípios que podem levar um Sistema Eletrônico de Processamento de Ações Judiciais - SEPAJ a ser considerado um sistema quase cibernético:

(i) o princípio da máxima automação,
(ii) o princípio da imaginalização[3] mínima ou da datificação[4] pertinente,
(iii) o princípio da extraoperabilidade e
(iv) o princípio do máximo apoio ao ato de julgar.

Eles serão objeto de enunciação e explicação nos itens 5 a 8 deste artigo.
Existem algumas perguntas que, se formuladas,  intrigam e demonstram  quão distante se está de um SEPAJ com adequada incorporação das possibilidades das novas tecnologias e aderente às diretrizes acima.    

Por que, quando se está  elaborando a sentença, o sistema processual não  pode responder diretamente perguntas simples como: o autor recebeu horas extras ao longo da contratualidade? Em que meses e quantas, pagas com que acréscimo?  Elas correspondem às praticadas conforme os controles de jornada (supondo a existência de ponto eletrônico)? Foram observados os acréscimos convencionais aplicáveis em cada mês? Recebeu insalubridade, em que meses, em que grau e qual a base de cálculo? Recebeu FGTS, em que meses e quanto? 
Por que tais verificações têm de continuar dependendo de uma “constatação visual”  numa imagem digital?  

Independentemente da resposta, importa consignar que não é por falta de recurso tecnológico. O estado da arte da tecnologia da informação permite elaborar um SEPAJ capaz de, nos casos em que tais informações existam e possam ser recebidas em formato adequado – e o artigo 11 da Lei 11.419/2006 refere-se abrangentemente a documento eletrônico -, responder com simplicidade, rapidez e segurança a tais perguntas.

Um SEPAJ  é um produto novo, híbrido, resultado  da aplicação convergente de saberes científicos de diferentes áreas – teoria da informação, teoria dos sistemas, teoria da comunicação e telecomunicação, Cibernética,  teoria geral do processo, teorias da administração e filosofia[5].

Pela natureza multidisciplinar do SEPAJ, as sugestões deste trabalho estão baseadas em teorias extrajurídicas – representadas paradigmaticamente  pelo pensamento de Norbert Wiener[6],  o pai da Cibernética e da automação eletrônica – e , é óbvio, em teorias sociológico-jurídicas, onde o  pensamento sistêmico do sociólogo  e jurista alemão Niklas Luhmann é tomado como referência.  Sob tais fundamentos teórico-científicos, propõem-se as diretrizes (princípios) adiante,  capazes de produzir uma consistente mudança de direção na concepção dos chamados  SEPAJ, levando-os a merecerem o qualificativo de sistemas cibernéticos[7] de processamento de ações judiciais. E um processo tramitado com tal ferramenta merecerá ser chamado de um ciberprocesso.



[1] KING Jr., Martin Luther. Disponível em: http://www.thekingcenter.org. Acesso em: 3 fev. 2009.
[2]  LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” BRASIL. Constituição[1988]. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/Constituiçao.htm.  Acesso em 26 set. 2008.
[3] Imaginalização é neologismo proposto para descrever a característica da atual geração de SEPAJ, alimentada prevalentemente por imagens digitais de documentos (escaneadas).
[4] Datificação é neologismo proposto para exprimir o fenômeno da escolha da forma e organização dos dados de entrada dos sistemas. A datificação deve atender aos requisitos esperados em termos de automação e resultados. A datificação  é pertinente quando o dado chega ao SEPAJ em formato imediatamente processável pelo computador.
[5] Tem-se esquecido ainda de envolver profissionais da psicologia e da teoria da comunicação social ou da propaganda e marketing no que tange à sua apresentação aos usuários.  Isso porque a mudança com a introdução do SEPAJ  é imensa  e o tratamento das resistências daí decorrentes, para que o novo produto tenha sucesso,  passa pelos conhecimentos dessas duas ciências.
[6] Noções extraídas, dentre outras, da obra GARCIA, Dinio de Santis.   Introdução à informática jurídica. São Paulo:Bushatsky, 1976. p. 21-95.
[7] Trabalha-se com a ideia da máxima automação, sem qualquer pretensão da automação integral, pelos inúmeros motivos que a Informática Jurídica esmiuçou nas últimas décadas.