Como traçar cenários para
o futuro do processo, com o uso das novas tecnologias, sem entender as
possibilidades destas? Neste e no próximo tópico, sumarizam-se noções julgadas
relevantes para um eficaz posicionamento
estratégico dos juristas sobre o processo feito com as novas ferramentas
tecnológicas.
Comece-se por noções de dado
e informação, fundamentais para
evidenciar a característica básica da atual geração de sistemas de
processamento de ações, que tem de ser repensada.
Dado é “[...] tudo que é imediatamente apresentado ao espírito
antes de toda e qualquer elaboração consciente.” Dados, no plural e no
sentido que aqui interessa, podem ser considerados “[...] os elementos
fundamentais de uma discussão (‘os dados de um problema’)”[1]. Informação
é o “[...] conjunto de dados aos quais seres humanos deram forma para torná-los
significativos e úteis.”[2] Henrique Gandelman[3],
baseado em Edgar Morin, pedagogo e filósofo francês, afirma que se vive,
atualmente, num mundo dominado pelo conhecimento,
obtido da informação, que ele equipara a dado. A informação proporciona a consciência dos componentes, limites e
consequências de qualquer assunto. Para Morin e num sentido estrito, conhecimento tem a ver com inteligência, consciência ou sabedoria,
que são a arte de vincular conhecimento
de maneira útil e pertinente.
Pense-se na fase de
conhecimento de um processo. Dados vão se somando, segundo uma ordem
deteminada, para gerar informação que, processada, culmina numa sentença,
informação derradeira e nova que alguns classificariam como conhecimento
(Morin). Em essência, e utilizando-se a equiparação que Morin faz entre dado
e informação, processo é informação[4].
Isso leva a Nobert Wiener[5], considerado
o pai da Cibernética. Como reporta Dinio de Santis Garcia[6], Wiener lamentava a fragmentação da ciência e
considerava os especialistas prisioneiros de espaços científicos progressivamente mais estreitos e isolados.
Repudiava a repetição de trabalhos.
Pregava a cooperação interdisciplinar.
Trabalhando no MIT com
máquinas eletromecânicas, entendeu que “[...] outros meios deveriam ser
procurados para que fossem alcançados processos
mais velozes e resultados mais exatos.” [sem grifo no original] Nesse sentido, propôs a construção de uma
máquina que operasse com números
binários, eletronicamente, capaz de eliminar
a intervenção do homem desde a entrada dos dados até a obtenção dos resultados (auto-controle/automação),
dotada de um aparelho para armazenar dados, registrá-los, recuperá-los com
rapidez e eliminá-los. Como não ver, aí, os atuais computadores eletrônicos,
operados mediante programas automáticos baseados inteiramente em códigos
binários (0 e 1), com suas memórias principais e secundárias (discos etc)
regraváveis?
Nas suas investigações, Wiener
percebeu que os problemas de controle e
de comunicação (mensagem) se conectavam.
Sua teoria da comunicação
e do controle, no animal ou na máquina, ele denominou de Cibernética, tendo
lançado a obra Cybernetics or Control and Comunication in the Animal and the Machine (1948). Ao final da obra, afirma que o sistema social
é uma organização “[...] vinculada por
um sistema de comunicação, e possui uma dinâmica em que processos circulares
que partilham da natureza da realimentação, desempenham importante papel [...]
nos campos gerais da [...] sociologia
[...] economia [...] “. Contrariando a visão precedente newtoniana de
um universo cerradamente organizado, ele concebia o universo como contingente,
probabilístico, uma noção muito mais próxima da realidade jurídico-processual[7].
Tais ideias influenciaram diretamente
o jusfilósofo e sociólogo alemão Niklas Luhmann.
Por outro lado, ao
teorizar a comunicação, Wiener considerava um sistema tanto mais ordenado
quanto maior fosse o grau de coerção incidente sobre os seus elementos, o que
significava maior quantidade de
informação deles automaticamente processável. Essa visão wieneriana será já
percebida, embora embrionariamente, no SUAP – Sistema Único de Administração
Processual da Justiça do Trabalho[8],
que está em vias de ser implantado experimentalmente em algumas varas.
Nesse passo, o pensador
aproxima-se dos esforços de décadas para o estabelecimento de outra ciência, a
Teoria Geral dos Sistemas, que se firmou a partir de 1956 com a fundação da Society for General Systems Research.
Direito e Cibernética são
aproximados, pela primeira vez, pelo próprio Norbert Wiener, num dos capítulos
da obra The human use of human beings.
Cybernetics and Society, de 1950. Um dos dois grupos de problemas do
Direito, segundo ele, diz respeito à técnica pela qual os propósitos do Direito
podem ser postos em prática e que, naturalmente, estão na base deste
trabalho. Umas dessas técnicas não seria o sistema processual?
Mas é importante consignar
que, no tratamento do Direito como sistema – uma visão que não era estranha aos
juristas – ele acaba por concluir que o Direito há deve ser visto “[...] como um sistema probabilístico – dados certos
fatos e normas, é provável que sobrevenha decisão em determinado sentido” e,
portanto, “[...] havendo conflito o juiz
é chamado a individualizar e a dar concreção à norma, e/ou a completar o
sistema.”[9]
Apregoa, assim, o aperfeiçoamento das
estruturas e dos procedimentos para facilitar o alcance dos objetivos do
Direito mediante a eficaz e rápida atuação do juiz nas situações de conflito.
Mesmo desta apertada
síntese, é forçoso admitir a relevância comum, no Direito atual e na
Cibernética, de temas como sistema, comunicação e controle/automação. O suporte
teórico das ponderações wienerianas aos princípios adiante propostos é evidenciado pelos textos
em negrito: preocupação com os dados, informação, inteligência para caminhar da
mecanização para a automação, cooperação interdisciplinar (sistêmica?), condenação
do retrabalho.
[1] JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo.Dicionário básico de filosofia.3.ed.
Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editor, 1996. p. 62.
[2] O conceito operacional de informação depende da área científica de
estudo. O conceito dado acima não é o
conceito cibernético (conforme GARCIA, Dinio de Santis. Introdução à informática jurídica, p. 48).
Ele se presta ao presente trabalho, porque se trata, aqui, basicamente, de
sistemas de nformação, e é dado por LAUDON, Kenneth C.; LAUDON, Jane
Price. Sistemas de informação. Tradução de Dalton Conde de Alencar. Rio de
Janeiro:LTC, 1999. p. 10.
[3] GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet. Direitos autorais na era digital. 4. ed. Rio de Janeiro:Record, 2001. p. 21.
[4] Quando se fala na desmaterialização do processo, na verdade
dever-se-ia falar na desmaterialização do papel (autos?), pois que o processo – a informação – é toda ela transcrita para outro suporte
físico – disco rígido, DVD ou outro dos tantos disponíveis no mercado – de onde
pode ser recuperado por um equipamento adequado.
[5] Norte-americano (1894-1964). Aos 15 anos, graduou-se em matemática, aos 18, doutorou-se
em filosofia
(Harvard ), depois estudou epistomelogia e lógica com Bertrand
Russell e matemática com G. H. Hardy (Cambridge). Em Goettingen, estudou
matemática com Landau e David Hilbert e filosofia com Edmund Husserl. De 1919
até a aposentadoria, em 1960, trabalhou no MIT (Instituto de Tecnologia de
Massachusetts).
[6] GARCIA, Dinio de Santis. Introdução à informática jurídica, p.
21-98. As ideias expostas do pensamento
wieneriano, dispostas adiante, neste e no próximo tópico, advêm desta obra.
[7] Isso ocorreu num tempo em que a Ciência do Direito, abandonando as pautas
formal-estruturalistas kelsenianas, no pós segunda guerra, buscava novos paradigmas lógicos: a tópica
revivida por Theodor Viehweg, a nova retórica proposta por Perelman e toda a
evolução posterior na direção das teorias da argumentação jurídica.
[8] O material que tem sido distribuído a respeito, do CSJT, intitulado
“Projetos Suap e Malote Digital”, menciona, na página 12, que “documentos digitalizados, encaminhados por
petição, serão identificados pelo usuário, com indexação pelo sistema, o que
possibilitará a fácil localização no processo.” Melhora-se a recuperação das
imagens, pela aposição dos chamados metadados, mas o sistema, neste aspecto, conservará a natureza estoquista. No entanto, no mesmo material há uma promessa de
mudança de paradigma pois sua chegada “[...]
será acompanhada de uma ‘inteligência’ que elimine a necessidade de
intervenção humana em situações possíveis.” (p. 8).
[9] GARCIA, Dinio de Santis. Introdução à informática jurídica, p. 80.